Psicologia Fenomenológico-Existencial e cinema: Nossa Irmã Mais Nova, de Hirokazu Kore-eda
- marinasqcastro
- 16 de set. de 2024
- 3 min de leitura
Desde que tive o primeiro contato com um filme do Kore-eda, o impactante Monster, decidi de imediato que veria outros em seguida. Um dos que assisti na sequência foi o Our Little Sister (em português, Nossa Irmã Mais Nova) e me chamou muito a atenção a sutileza com que ele retrata os momentos cotidianos, mostrando o quão delicado é o seu olhar. Trata-se da história de três irmãs adultas que conhecem a meia-irmã mais nova, Suzu, na ocasião da morte do pai delas. Diante de uma atitude inusitada, mas completamente genuína, as irmãs convidam a órfã Suzu para se mudar para a casa delas em outra cidade. O filme é sobre como a presença de Suzu transforma as dinâmicas vivenciadas naquela família e a vida de cada uma delas.
A partir daqui o texto contém bastante spoilers do filme, recomendo assisti-lo antes de continuar a leitura.
Em algum momento, acho natural que Kore-eda nos faça questionar quais seriam os nossos afetos e pensamentos diante de um acontecimento semelhante em nossas vidas. O contexto traz que as três irmãs mais velhas já não tinham a presença do pai há quinze anos. No entanto, esse mesmo homem era diferente na relação com a adolescente Suzu, que guardava boas e recentes memórias junto à ele. Pensando, então, sobre as implicações do abandono para cada uma delas, mas principalmente para a mais velha, que assumiu o papel de cuidado das irmãs, poderíamos pressupor que o sentimento de rivalidade fosse mais provável de ocorrer, e nos surpreendemos então com a sua cordialidade e bondade em acolher Suzu.
O que vemos no decorrer da narrativa é que as personagens não foram isentas dos efeitos das escolhas dos pais, pois isso produziu uma certa herança emocional na interpretação do mundo. Suzu é tomada pelo incômodo com a forma que se deu o envolvimento dos pais, quando o pai era casado com outra mulher e já tinha uma família constituída. Especulando sobre as emoções da adolescente, talvez acreditar que esse tenha sido o motivo do fracasso da relação anterior faça com que ela se sinta responsável pelo que aconteceu a partir de então, como ela expressa no seguinte diálogo com um amigo:
– Tudo bem eu estar aqui?
– Do que está falando?
– Quando eu morava em Sandai, e depois em Yamagata, sempre achei que a minha presença machucava as pessoas, esteja onde estiver. Às vezes fica insuportável.
Para a irmã mais velha, Sachi, toda a novidade também não é vivenciada sem que ela tenha que lidar com suas próprias questões, como a dificuldade de reconciliação com a mãe e os ressentimentos pelo passado. Em uma parte da trama, Sachi é provocada por uma das irmãs sobre a acolhida de Suzu na verdade esconder o desejo de atingir a mãe, que foi viver a vida longe das filhas.
Acompanhando os desdobramentos de questões que ficaram latentes por algum tempo, concluímos que o passado ainda influencia o presente; mas a bagagem que adquirimos e as experiências marcantes não são determinantes das possibilidades futuras, não se consolidam em algo inexorável. Juntas, as irmãs inventam uma nova convivência, cada refeição compartilhada é uma alegria, elas preparam um vinho de ameixas com o pé do quintal – após seis meses de espera para que essas frutas fiquem maduras – e se vestem com quimonos de verão para soltarem fogos de artifício.
Esses momentos presenteiam o espectador com cenas esteticamente muito bonitas e repletas de significados. Isso me fez repletir sobre o valor do instante, noção presente na filosofia de Nietszche, sobre a qual pretendo escrever com mais especificidades em um próximo post do blog. Como a vida pode ser generosa e doce! Mesmo que a existência também revele a impermanência e a fragilidade humana, a partir da finitude, a única certeza que podemos ter. Sachi diz, no final do filme, algo próximo dessa perspectiva:
– Papai era realmente inútil. Mas talvez fosse um homem gentil.
– Por quê?
– Porque ele nos deixou uma irmã mais nova tão adorável.

Principais temas do filme: Perdas e lutos; finitude humana; afetividade; cuidado; relações familiares.
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